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A produção de conteúdos sobre livros e o incentivo ao consumo e acúmulo


O consumo de livros no Brasil é uma questão que tem sido discutida há muitos anos. Apesar de ser considerado um país com baixos índices de leitura, o Brasil tem uma indústria editorial significativa e diversa. Nos últimos anos, alguns estudos indicam uma leve melhora no hábito de leitura no país. De acordo com a pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil", realizada pelo Instituto Pró-Livro em 2019, o número de leitores cresceu de 52% em 2015 para 56% em 2019. No entanto, ainda há muito a ser feito para que o hábito de leitura se torne uma prática mais comum entre os brasileiros.

Quando se trata do mercado editorial, a situação é um pouco mais complexa. Em 2018, a Câmara Brasileira do Livro divulgou que o mercado editorial brasileiro havia crescido 1,3% em relação ao ano anterior, totalizando uma receita de R$ 5,7 bilhões. No entanto, esse crescimento não foi uniforme em todos os segmentos do mercado.

Por exemplo, o segmento de livros didáticos teve um aumento significativo em 2018, com uma alta de 10,6% em relação ao ano anterior. Já o segmento de livros de literatura teve uma queda de 1,1%. No entanto, em 2019, a venda de livros de ficção cresceu cerca de 5% em relação ao ano anterior, segundo a Nielsen BookScan. Outro fator que afeta o mercado de livros no Brasil é o preço. De acordo com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), o preço médio do livro no país é de R$40,00, o que pode ser considerado elevado para muitos brasileiros. Entretanto, quem frequenta as livrarias físicas percebe que atualmente é difícil encontrar livros por menos de R$50,00. Nas livrarias on-line os preços podem apresentar maior variabilidade. 

Apesar dos desafios enfrentados pelo mercado editorial brasileiro, ainda há motivos para otimismo. O país tem uma rica tradição literária e uma variedade de editoras que produzem obras de alta qualidade. Além disso, o surgimento de novas tecnologias, como os e-books e a autopublicação, pode abrir novas possibilidades para o mercado editorial. Recentemente, ao falar sobre a leitura de uma antologia de contos de uma autora brasileira, enfatizei a importância de volvermos nosso olhar para os autores jovens e para o trabalho das editoras independentes do nosso país. 

O consumo de livros no Brasil é uma questão complexa e multifacetada. Embora haja sinais de melhora no hábito de leitura e no mercado editorial, ainda há desafios significativos a serem superados para que a leitura se torne uma prática mais acessível e comum entre os brasileiros. Nos últimos anos, tem ocorrido um aumento significativo no número de produtores de conteúdo nas redes sociais voltados para o mundo dos livros e isso incentiva a leitura e ajuda a formar comunidades leitoras. Esses produtores, muitas vezes chamados de booktubers, bookstagrammers ou bookbloggers, são pessoas que compartilham suas opiniões, resenhas e recomendações de livros nas plataformas digitais, como eu mesma faço desde 2010 em plataformas diversas. 

Esse movimento tem se mostrado bastante relevante para o mercado editorial, uma vez que esses produtores de conteúdo têm um público engajado e fiel que costuma confiar em suas opiniões na hora de escolher um livro para ler. Além disso, esses produtores têm a capacidade de ampliar o alcance de um livro e fazer com que ele seja conhecido por um público mais amplo. Algumas das características mais marcantes desse movimento são a diversidade e a inclusão. Muitos produtores de conteúdo voltados para os livros têm se empenhado em promover obras de autores e autoras de minorias étnicas, LGBTQIA+ e mulheres, entre outros grupos historicamente marginalizados. 

As redes sociais também oferecem a esses produtores de conteúdo uma oportunidade única de se conectar com seu público e criar uma comunidade em torno do mundo dos livros. Além de compartilhar suas opiniões sobre livros, esses produtores também costumam organizar eventos, clubes de leitura e outros projetos que incentivam o hábito de leitura e promovem a interação entre os leitores. O movimento de produtores de conteúdo nas redes sociais voltados para o mundo dos livros tem se mostrado uma tendência crescente e importante para o mercado editorial. Com a diversidade e a inclusão como características marcantes, esses produtores têm o potencial de ampliar o alcance de obras literárias e promover o hábito de leitura para um público cada vez maior. Entretanto, também se nota algumas problemáticas quanto a essa produção de conteúdo, assim como a outros movimentos digitais. 


O movimento atual de produção de conteúdo sobre livros nas redes sociais tem se mostrado uma ferramenta importante para a promoção da leitura e o acesso a novas obras literárias. No entanto, esse movimento também tem levantado questões importantes sobre o acumulo de livros e a compra pelo acumulo, em detrimento do verdadeiro prazer de ler. É comum encontrar em redes sociais pessoas que exibem suas estantes repletas de livros, muitas vezes comprados em promoções ou com descontos, e que enfatizam a quantidade de livros que possuem como um sinal de status ou de conhecimento. Porém, esse comportamento pode incentivar o acumulo de livros e a compra impulsiva, sem que o leitor tenha tempo ou vontade de ler todos os exemplares que adquiriu.

Esse fenômeno é conhecido como "bibliomania" ou "síndrome de Diógenes de livros", em que a pessoa acumula uma quantidade excessiva de livros sem ter a intenção ou a capacidade de lê-los. Isso pode levar a um sentimento de ansiedade e de culpa, uma vez que o leitor se sente pressionado a ler todos os livros que adquiriu, mesmo que isso seja impossível. Além disso, a ênfase na quantidade de livros em detrimento da qualidade e do prazer de ler pode afastar as pessoas da leitura. Quando a leitura é vista como uma obrigação ou uma forma de exibir conhecimento, ela perde o seu sentido mais profundo, que é o de proporcionar uma experiência enriquecedora e prazerosa.

Portanto, é importante problematizar o acumulo de livros e a compra pelo acumulo, incentivando uma reflexão mais crítica sobre os motivos que levam as pessoas a comprar livros e a acumulá-los em excesso. É preciso lembrar que a leitura não é uma competição e que o importante não é a quantidade de livros que se tem, mas sim a experiência única que cada livro pode proporcionar. Assim como o conteúdo de outros nichos, o que se produz nas redes sociais sobre leitura também deve ser visto sob um viés de criticidade pelo público que consome. A leitura deve ser vista como um ato de prazer e de descoberta, e não como uma obrigação ou uma forma de exibição.

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