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Feminismo enquanto pauta política

Curta e grossa: nenhuma, repito, NENHUMA candidata ou candidato à presidência nessas eleições é feminista. 
Há alguns meses, indignada pelo rumor da candidatura da digital influencer Sarah Pôncio à deputada estadual, gravei um vídeo intitulado "Sobre votar em (quaisquer) mulheres". No vídeo eu refletia sobre votarmos em mulheres com vistas à representatividade, porém sem aprofundamento nas pautas políticas da candidata. 
Agora que temos a disputa em trânsito, podemos analisar cada candidato com mais esmero. 
Porém, com segurança afirmo: não temos candidatos à presidência cujo posicionamento seja alinhado às pautas feministas. Nem mesmo as mulheres. 
No primeiro debate entre os candidatos isso ficou explícito. O ataque do atual presidente à jornalista Vera Magalhães foi um dos elementos evidenciadores desse fato. Embora usem alguns discursos mobilizadores para angariar o voto feminino, nenhum deles quer lutar pelas pautas feministas. E isso porque não é vantajoso. 
Mesmo a Simone Tebet que foi assertiva em suas falas, alfinetou o atual governo e foi vista como a melhor no debate, claramente estava usando o feminismo para mobilizar o voto de mulheres pelo fato dela ser uma. Falsa representatividade. Não convence. Seu ato falho ao dizer que "nós precisamos de uma mulher para arrumar a casa" deixa isso evidente.
Preciso repetir: nenhum candidato à presidente é feminista. Nem mesmo as candidatas.
O atual presidente falar de maneira rasa sobre o que ele chama de "a questão da mulher" (que até agora me questiono sobre o que poderia ser) com outro homem, apenas visando a simpatia feminina depois de ofender uma mulher não chega a ser surpreendente. Mas nós, mulheres, precisamos estar atentas a uma candidata que usa o discurso pseudofeminista e a promessa de selecionar ministras para puxar voto de indecisas.
Uma senadora ruralista, que votou a favor do golpe contra a presidenta Dilma, que é contra os indígenas, não pode ser, agora, ovacionada por ter alfinetado o energúmeno e por ter falado um discurso pseudofeminista raso e pronto.
O feminismo não é uma causa individual, tampouco existe para ser usando quando convém. O tema não está sendo abordado na campanha porque estamos avançando. Ele está em pauta porque seremos nós, mulheres, quem iremos decidir essa eleição. A maior rejeição a Bolsonaro está entre as mulheres. Além disso, o número de indecisos nessa eleição é de 64% do sexo feminino e 36% do sexo masculino. São esses votos que estão sendo pauta, não as causas levantadas pelo movimento feminista.
Os discursos são para convencer esse alto número de mulheres, não para garantir a nós representatividade genuína, políticas públicas ou direitos básicos.
Devemos abrir os olhos para esse engajamento oportunista. Precisamos de candidatas e candidatos negros, pobres, verdadeiros representantes das minorias. Não pessoas elitistas reproduzindo discursos prontos para se manter no poder. Olhos abertos para quem nunca usou o cargo que tem pela luta feminista, negra, lgbtqia+, pobre e periférica.



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